terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Lichia

Não tive histórias de infância com lichias. Já tinha meio século de vida quando a comi pela primeira vez e me apaixonei. Durante todo o verão ficava sentada embaixo daquela arvore magnífica onde as gralhas azuis, os guaxos, as maritacas, sabiás e muitos outros pássaros lindos disputavam conosco o privilégio de comer seus frutos. Tinha um ritual: esperar a hora que a brisa da tarde conseguia chegar devagarinho e, com sua suavidade, vencer e afastar o calor. Era, então a hora de ir buscar a bacia de ágata e pegar o grande bambu. A criançada chegava com sua algazarra, sempre maior que a dos pássaros, e os mantinham a distância. Daí, era conseguir acertar os galinhos e fazer cair os cachos. Quando o grupo estava satisfeito, sentávamos para comer. Mas, tinha que descascar com cuidado e em silêncio para que a frutinha saísse inteira. Este cuidado fazia com que seu aroma escapasse devagarinho e preparasse os sentidos para o momento final, quando, então, eu ficava imaginando que se eu pudesse lamber um anjo, certamente ele teria o gosto dessa frutinha...  

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